sábado, 30 de abril de 2011

Offenbach, conflito entre o popular e o erudito


Nesta última quinta feira, 28/04/2011, no encontro dos Escritores de Quinta, foi discutido sobre best sellers. Na realidade procurou-se tentar levantar a imagem que cada um do participantes tinha do best seller, e conceitos e preconceitos em relação este tipo de produto literário.

A discussão me fez lembrar de um compositor de operetas: Offenbach  
 
Ele era um compositor alemão, radicado em Paris no período conhecido como La Belle Epóque, onde o mote era Vinho, Mulheres e Canções (um Sexo, Drogas e Rock´n´roll retrô), e também virtuose do violoncelo sendo comparado em talento a Liszt (aliás, Liszt e Paganini pareciam popstars da época, com legião de fãs e tudo). 

Ele começou a compor em 1858, esteando com Opereta Orfeu no Inferno, onde pela primeira vez usou o tema que o tornou famoso: a dança burlesca Can-can.


A opereta é uma peça curta de um ato só, geralmente de tema cômico ou romance água com açúcar, e era dirigido à classe popular, enquanto que a ópera, com temáticas mais variadas, era a dirigida à classe média e alta. Seu grande apelo popular deu fama e fortuna a muita gente, entre agentes teatrais, atores e compositores.

Offenbach, diante do sucesso de sua primeira obra, continuou a compor para o gênero, ganhando muito dinheiro com isso. Era criticada pela falta de complexidade de sua música, pois segundo a crítica, era possível tocá-la apenas com dois dedos no piano.

Todavia ele, aparentemente pouco se importava com estes comentários, fazendo um sucesso após o outro, até que após uma malograda tournée pelos Estados Unidos, onde perdeu grande parte de sua fortuna, arrependeu-se, segundo ele mesmo, de ter “desperdiçado talento com composições de baixa qualidade” e compôs uma ópera seria, “Os Contos de Hoffman”, que ele não viu ser encenada por ter morrido, poucos dias antes da estréia, aos 60 anos.


“Contos de Hoffman” foi um sucesso, tendo 101 apresentações e é considerada hoje uma obra prima. Todavia suas operetas também são bem aceitas pela crítica de hoje e ainda são encenadas.


Offenbach, ao escolher a temática para sua ópera séria, usou um autor de literatura fantástica, Hoffmann (veja este texto: A Mulher Vampira), que também era músico e crítico musical e foi o primeiro a reconhecer o talento de Beethoven.

Hoffmann, em certo momento de sua vida, abandonou parcialmente a literatura e outras atividades artísticas, retornando à carreira de magistrado, por falta de dinheiro.

Todas estas considerações estão aí para ser uma pequena provocação:  O que é o bom ou ruim em arte quando estamos inseridos no momento histórico em que ela está sendo produzida?  

quarta-feira, 27 de abril de 2011

A Máquina Fantástica: Ficção Científica Argentina


A Máquina Fantástica
Título Original: La invención de Morel
Tradução: Vera Neves Pedrosa
Editora: Círculo do Livro
Ano: Da edição do Círculo do Livro: provavelmente 1975. Do original argentino: 1940
144 páginas

Sinopse: Um fugitivo (de quem não sabemos o nome) refugia-se numa ilha onde anos antes foi construído um hotel-museu, há muito abandonado, que lhe serve de alojamento. Subitamente chega um navio, que o obriga a deixar o local. Observando as pessoas que desembarcam na ilha, o fugitivo percebe que não são seus perseguidores, mas um improvável grupo de turistas que age como se o hotel nunca tivesse sido abandonado.

Tem início um mistério que o fugitivo irá tentar solucionar. Sua motivação para isso é que se apaixona por uma mulher do grupo de quem tentara infrutiferamente se aproximar, pois ela, como todos os outros turistas, parece ignorar completamente sua presença.

Jorge Luiz Borges, no Prólogo, classifica esta narrativa como tendo uma “trama perfeita”: o mistério é revelado pouco a pouco de forma consistente e coerente e, contudo, o desfecho nos surpreende e, de certa forma, nos assusta. Como se disse certa vez de O Médido e o Monstro, de Robert Luis Stevenson: a resolução do mistério, ao contrário da catarse esperada, é mais horrível que o próprio mistério. Porque simplesmente nos faz ficar pensando numa questão (filosófica ou psicológica) que nunca demos conta.

Outro mérito de Casares é sua linguagem. Somos fisgados desde a primeira frase: “Hoje, nesta ilha, acontece um milagre: verão adiantou-se.” Duas frase depois já se inicia a aventura e o mistério: “Pela madrugada, um gramofone despertou-me. Não pude voltar ao museu, para buscar as coisas. Fugi pelos barrancos. Estou nos baixios dos sul, entre plantas aquáticas, indignado pelos mosquitos, com o mar ou córregos sujos até a cintura, vendo que antecipei absurdamente a minha fuga.” E o parágrafo ainda nem terminou!

Contudo o mistério, a aventura e o fantástico são formas que o autor usa para especular sobre a morte e o desejo de imortalidade a qualquer preço, sobre o isolamento e anonimato quando nos tornamos invisíveis perante o outro e sobre a tecnologia que aliena o homem.

Casares não deixa também de fazer uma citação importante: o título original é La invención de Morel, que nos remete ao romance A Ilha do Dr. Moreau, de H. G. Wells, onde um outro fugitivo depara-se com um mistério e vive o mesmo tipo de isolamento que o personagem de A Máquina Fantástica, revelando uma das fontes que lhe serviu de inspiração.

O Prólogo de Jorge Luiz Borges, além de nos apresentar Casares e sua narrativa (que Borges faz habilmente, sem dar spoilers) é quase um manifesto a favor da literatura de gênero. Citando Robert Luis Stevenson que em 1882 queixou-se de que os leitores ingleses desdenhavam as peripécias em favor de “argumentos atrofiados”. Borges diz ser esta a realidade em 1925 e ainda em 1940 (ano da edição argentina de La invención de Morel). E, para nós autores de FC & Fantasia, em 2011 também.

Vale destacar o seguinte trecho, que creio ser de concordância dos leitores e autores de FC & Fantasia:

“A novela característica, ‘psicológica’, tende a ser informe. Os russos e seus discípulos demonstram em demasia que ninguém é impossível (...). Esta liberdade plena acaba equivalendo à desordem mais completa. Por outro lado, a novela ‘psicológica’ quer ser também ‘realista’: prefere que esqueçamos o seu caráter de artifício verbal e faz de toda vã precisão (ou de toda lânguida imprecisão) um novo toque verossímil.(...) A novela de aventuras, em contrapartida, não pretende ser uma transcrição da realidade: é um objeto artificial, que não sofre nenhuma parte injustiçada.”

Em outras palavras, a literatura de gênero é mais honesta, pois não pretende ser realista, já que todo texto ficcional (realista ou fantástico) passa por um processo imaginativo.


domingo, 24 de abril de 2011

Muitas Peles

Muitas Peles
Autor: Luiz Bras
Editora: Terracota
Ano: 2011
128 páginas

Sinopse: Coletânea de artigos e crônicas de Luiz Bras publicado no jornal virtual de literatura O Rascunho, centradas no ato de escrever, sobretudo Ficção Científica e gêneros afins.

Os textos de Luiz Bras têm a principal função provocar o ato de pensar, que deveria ser comum em quem escreve ou simplesmente lê, por necessidade ou por prazer.

A matéria prima está ali, desde o primeiro texto, “O infinito: um delírio”, onde o conceito de infinito e de eternidade são buscados a partir de um acontecimento simples: um fila de banco. E termina com a citação do filme O Feitiço do Tempo e do conto de Borges, Tlön. Meu lado de fã lamenta que ele não incluiu o excelente Matadouro 5, de Kurt Vonnegut Jr.

O texto seguinte, “Fim do papel, fim da poesia”, discute as mudanças provocadas pela introdução das tecnologias digitais que pretendem substituir o livro em papel. Será mesmo que o fim do papel significará o fim da poesia?

“Escolha um futuro”, é exatamente o exercício que todo autor de FC deve fazer. Porém, o que este pensar no futuro realmente retrata?

“Convite ao mainstream”, foi uma provocação que Luiz lançou aos autores do mainstream, tentando fazê-los enxergar primeiro a estagnação da ficção literária no Brasil e, depois, fazê-los ver que a salvação poderá vir dos rejeitados “bárbaros”, os autores de Ficção Científica. Este artigo teve uma repercussão grande no meio da FC, a partir da intervenção, de Roberto Causo, no seu espaço no Terra Magazine.

O artigo seguinte, “Um bárbaro que se preze não vem para o chá das cinco”, é assinado por Roberto Causo, e retrata a posição pessoal deste autor em relação ao artigo anterior. Causo se diz um iconoclasta, pelas suas posições dentro e fora do fandom de FC.

E o que acontece quando um autor de mainstream, atendendo ao convite, resolve optar por escrever FC? Em “Cinco erros” alguns escritores de FC convidados apontam quais os erros mais graves que estes autores cometem.

E a crítica, como se comporta? Em “Duas elites”, Bras convida escritores, críticos e editores para comparar o comportamento crítica acadêmica e da crítica da literatura de gênero e destaca os princípios norteadores de cada uma delas.

Em “Três leis”, Luiz Bras usa as três leis da robótica de Azimov para indicar, por similaridade, os princípios básicos que norteiam sua escrita.

Em “Sabedoria Secreta”, Bras questiona sobre os contos de fadas de tradição oral que foram terrivelmente mutilados pelos seus compiladores, para adequá-los à sua época ou expurgar trechos mais picantes ou violentos para poderem ser entendidos por crianças.

Em “Olha mamãe, uma cor voando”, comenta a forma de escrever do poeta  Leo da Cunha, que segundo ele, é capaz de “captar inocências”, como a da frase que dá título ao artigo.

Em “Encontro com o autor personagem”, a escritora Índigo é analisada, do ponto de vista de ser ela muito parecida com suas personagens.

“O autor e seu editor”, nos trás o eterno conflito entre estas duas figuras importantes que dão vida a um livro. Termina com uma bem humorada coleção de modelos de cartas de recusa, de acordo com as diversas posturas e personalidades de editores. Hilariante, independentemente do lado em que você está da missiva (remetente ou destinatário).

“Elogio do acaso” aponta a importância do fator sorte em relação ao sucesso de um livro e do poder da insistência na sua busca. Afinal, é acaso ou perseverança (teimosia)?

Será que a nossa infância é algo que pode ser resgatado? Foi mesmo um paraíso ou isto é um mito? É o que é discutido em “Paraíso perdido: a infância”.

O artigo “Morte e imortalidade” discute nosso destino final e o nosso desejo de que ele nunca chegue.

Fechando o livro, a crítica mais uma vez é abordada no artigo ”Crítica é cara ou coroa”. Nele, Bras aponta que a crítica aceita ou rejeita um texto de acordo com um modelo de civilização que o autor da crítica aceita como válido.

Podemos afirmar que todos os textos cumprem o seu papel de nos fazer pensar e, ainda que discordemos dele, alguma vezes sequer teríamos pensado na questão se ele não tivesse levantado a bola.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Portal Fahrenheit







Portal Fahrenheit 
Autores: Nelson Oliveira (organizador), Mustafá Ali Canso, Ataíde Tartari, Roberto de Sousa Causo, Petê Rissatti, Mayrant Gallo, Danny Marks, Sid Castro, Laura Fuentes, Marcia Olivieri, Brontops Baruq, Abilio Godoy, Ricardo Delfin, Izilda Bichara, Claudip Brites, Tiago Araújo, Georgette Silen, Luiz Bras, Maria Helena Bandeira , Marco Antonio de Araujo Bueno, Bruno Cobbi.

Editora: Projeto Portal (cooperativa)
Ano: 2010
160 páginas

Sinopse: Este Portal homenageia o livro Farenheit 451 de Ray Bradbury e é o último de uma série de seis, proposta por Nelson Oliveira. No Projeto Portal estão reunidos textos tanto de autores tradicionalmente associados ao gênero FC, como autores do mainstream, com a proposta de escreverem ficção científica. Apesar do título ser uma homenagem a um livro, o tema é livre desde que dentro do gênero ficção científica e fantasia. O portal Farenheit reúne 24 contos que seguem esta proposta.

“O mundo dos seus sonhos”, de Mustafá Ali Kanso, é o conto que abre a coletânea. Um homem insatisfeito com seu casamento, resolve, apropriando-se de conceitos da pesquisa de sua esposa, criar uma máquina que o levasse por  meio de sonhos lúcidos a um universo onírico. Mustafá consegue pintar com muita propriedade um quadro doméstico de insatisfação, usando bastante humor.  

“O bunker cretáceo”, de Ataíde Tartari, traz uma história onde uma descoberta arqueológica muda o destino da humanidade: um artefato de milhões de anos feito de... concreto! Uma boa história de especulação sobre o passado e o futuro do planeta.

“Tempestade Solar”,  de Roberto Causo, retoma a personagem Shiroma em mais um conto que lembra histórias de espionagem e mais um capítulo na luta da heroína pós-humana em busca de sua libertação.

“Réquiem”, de Pete Rissatti, é uma aventura onde um cidadão comum, respeitador das leis, é colocado pelas circunstâncias em confronto com o governo, virando o líder meio inconsciente de uma resistência. O que ele viola inadvertidamente é lei que proíbe o sonhos.

“Invasores”, de Mayrant Gallo, é uma típica história pós-apocalíptica, onde a humanidade busca se reorganizar após uma invasão ainda em curso, mas num ponto de impasse, tendo que enfrentar dois inimigos: os salteadores humanos e os alienígenas.

“Mesóide”,  de Danny Marks, conta a história de um ser enviado ao passado remoto de sua raça para corrigir um erro. Que erro seria esse?

“Deus é Brasileiro?”, de Sid Castro, nos mostra um Brasil futuro dominado por crenças cristãs fundamentalistas onde a única esperança de um futuro mais livre vem de outra seita fundamentalista. Uma crítica cáustica ao envolvimento político de grupos religiosos, que tentam impor à força seus valores.

“Aspieville”, de Laura Fuentes, mostra em seu conto a possibilidade de que todas as crianças autistas ao longo da história podem ter sido fruto de um experimento controlado em busca de um super raça.

“O Apanhador de tempo”, de Marcia Olivieri, coloca, sob a forma de um relato de um réu num tribunal, o testemunho de uma alteração da biologia humana. A forma do testemunho é usada pra ocultar informações do leitor e chegar a um final com alguma surpresa. Para este propósito funciona bem , porém coloca um distanciamento do leitor e “esfria” um pouco a narrativa. A idéia é muito boa e merecia uma história mais longa. Para mim, o final não é tão importante como o drama do personagem principal.

“Ficção especulativa”, de Brontops Baruq, inova na forma de narrar. O narrador tenta contar a história de várias formas, como se fosse ora um filme, ora um romance, cada vez de um ponto de vista diferente. A história é sobre detetives que viajam no tempo e a forma de narrar dá uma dinâmica muito boa a seu desenvolvimento. O humor, às vezes sutil, às vezes escrachado, já se tornou uma marca registrada de Brontops.

“COMun”, de Abílio Godoy é um conto que novamente tem o sonho como tema. Neste caso, um aparelho que permite que as pessoas vejam os sonhos das outras pessoas, em vez de se tornar um revolucionário instrumento auxiliar na psicanálise, torna-se, à revelia de seus desenvolvedores, uma nova forma de entretenimento.

“Minhas Férias”, de Ricardo Delfin, é exatamente o que parece: um texto que imita uma redação escolar, provando que as crianças do futuro são iguais às de hoje, mudando apenas os recursos (se você tivesse doze anos e pudesse dar asas a um elefante, com certeza faria). O humor dá o tom.

“Devoção”, de Izilda Bichara, conta, de uma forma absurdista, as desventuras do Homem Google, que consegue se virar do avesso, mas perde os órgãos internos pela casa, sendo socorrido pela prestativa Rosineide, a faxineira. Ele tem uma inimiga, que espera por um deslize seu, a Mulher Antivírus. Hilariante.

”On”, de Cláudio Brites, nos mostra um dialogo entre dois amigos que estão ligados a tubos, aparentemente por escolha própria. O absurdo da situação de um deles que está com um dos canos entupidos, mas teme se desconectar para novamente reconectar e a tentativa do amigo de convencê-lo a fazer o procedimento fazem um texto tenso, confuso e paradoxalmente engraçado.

“O Homem de Tundra”, de Tiago Araújo, narra do ponto de vista de um típico criminoso de periferia, onde o linguajar de malandro se mistura ao jargão técnico, os acontecimentos numa padaria, aparentemente uma fachada para alguma operação ilegal. A originalidade do texto está justamente no uso da linguagem.

“A Senhora do Lago”, de Georgette Siler, leva a um futuro, num tempo impreciso, a saga do Rei Arthur, misturando seres cibernéticos de porca e parafuso com a magia de Avalon. Uma boa idéia, porém, se abstrairmos as porcas e parafusos, teremos um conto de fantasia medieval.

“Os olhos do gato”, de Luiz Brás, nos traz um futuro onde mulheres e homens são inimigos mortais um do outro. O nascimento de uma criança pode (ou não) mudar esta realidade.

Maria Helena Bandeira comparece com quatro contos que tem em comum serem mais prosa poética do que contos e mais fantasia do que ficção científica.  

“Novembro / 3001”, de Marco Antonio de Araujo Bueno, é uma narrativa tensa em primeira pessoa, de um criminoso, pelo menos aos olhos do Estado (um estado totalitário?).

Fechando a coletânea temos o conto de Bruno Cobbi, “O Banho de Diana”. Um excelente conto onde uma pessoa comum é colocada numa situação incomum. Diana, grávida, está só no metrô e de repente se vê envolvida numa luta que parece saída das telas de um vídeo-game. Ou de um sonho.

Os contos desta edição foram mais uniformes e nota-se que a temática predominante foram os sonhos, presentes em pelo menos cinco deles de forma explícita, e outros de forma implícita, onde o clima surreal ou absurdo sugere o mundo onírico. 

Outra característica é a presença do humor em alguns contos, quer como elemento auxiliar da narrativa, quer como dominante.

Uma excelente coletênea.