terça-feira, 27 de abril de 2010

Futuro Presente

Futuro Presente
Autor: Nelson de Oliveira (org.)
Editora: Record
Páginas: 416
Ano: 2009



Sinopse:
Antologia de contos de ficção científica organizada por Nelson de Oliveira, que convidou tanto escritores do chamado mainstream (ou "ficção literária") como veteranos do gênero FC.

A intenção claramente manifesta por Nelson de Oliveira em Futuro Presente é provocar o chamado mainstream a buscar renovação na ficção de gênero, sobretudo na ficção científica. Nelson de Oliveira, sob o pseudônimo de Luiz Brás, tem militado no sci-fi e recentemente lançou na sua coluna do jornal virtual Rascunho, o polêmico artigo Convite ao Mainstream, que foi repercutido por Roberto Causo na sua coluna do Portal Terra Magazine em três diálogos com escritores, acadêmicos, críticos e fãs de FC. Em linhas gerais, Nelson de Oliveira, na pele de Luiz Brás, vê o mainstream como estagnado à espera dos "bárbaros" – os escritores de FC, que seriam arautos de uma renovação na literatura. 

Esse livro é parte de seu esforço no sentido de quebrar os limites que separam os dois grupos de escritores. 

Tomando o livro como um todo, podemos dizer que o organizador alcançou seu intento. A maioria dos contos está num nível muito bom e vários escritores do mainstream conseguiram entrar no espírito da coisa. 

Começando por Andréa Del Fuego, em seu conto "Aníbal". No dia do lançamento do livro, ela me confessou que nunca recebeu uma convite para escrever um conto com tantas recomendações traçando o contexto da obra. Andréa conseguiu se sair muito bem usando o recurso de jogar sua história num futuro muito longínquo e num planeta muito distante da Terra. Assim ela pôde imaginar uma evolução da biologia humana e uma raça alienígena com uma biologia própria.
"Nostalgia", de Luiz Brás, vem a seguir. O autor escolheu um mar muito navegado na FC atualmente: a realidade virtual levada a extremos. Num enredo que envolve múltiplas realidades que se superpõe de forma caótica, o autor constrói uma história bem movimenta e emocionante e tenta dar um final surpreendente. 

"A Brand New World", de Luís Roberto Guedes, é um conto com temática ecológica. Como inovação, o autor busca inserir no contexto da ficção científica as profecias catastrófiscas da literatura esotérica mais recente. Uma coisa interessante a notar é que algumas temáticas e a maneira de abordá-las têm alguma correlação coma faixa etária dos autores, como a preocupação ecológica quase panfletária em escritores com idade próxima dos 50 anos, como é este caso. 

Em "Gobda", de Maria Alzira Brum Lemos, encontramos mais uma vez o recurso de lançar para um futuro muito distante a narrativa, tornando plausível toda coisa que se queira, bastando imaginar uma linha evolutiva qualquer. O conto corre num universo habitado por seres inteligentes, os Gobdas, que tem como um de seus propósitos "achar a coisa perdida". Boa parte do conto é dedicada a descrever essa raça ao leitor. O conto é fechado com uma passagem metalinguística onde conta a si mesmo como Ouroboros, a cobra que engole o próprio rabo. No fundo, ouvimos ecos de uma guerra total genocida (outro dos medos da geração com 50 ou mais anos). Os Godbas seriam sobreviventes ou sucessores da humanidade.

"Ausländer", de Mustafá Ali Kanso, é um conto mais dentro dos cânones tradicionais da ficção científica. A presença de um alienígena infiltrado entre humanos é descoberto acidentalmente por um grupo de estudantes (ausländer é a palavra alemã para alienígena). O conto serve para mostrar diversas facetas do relacionamento de um típico nerd e seus colegas e entre ele e seu pai (que também, à sua maneira, é um nerd). O estudante procura o tempo todo se esconder de seus colegas, sobretudo da garota por quem se sente atraído, tentando passar despercebido, exatamente como é o alienígena que acabam descobrindo. Um excelente conto.

"O Vírus Humano 2", de Maria José Silveira, é uma fábula sobre a natureza humana. Outro conto que busca o futuro longínquo para criar o distanciamento necessário e passar o seu recado. A pergunta que este conto propõe é bastante interessante: será que se removermos todas as características do ser humano que o tornam tão destrutivo ele ainda será humano?

André Carneiro, o escritor brasileiro de ficção científica mais velho ainda em atividade, curiosamente nos apresenta o conto "Paralizar Objetivos", onde a ficção cientifica aparece de forma muito sutil. O conto mais parece uma parábola freudiana sobre o princípio da realidade se sobrepondo ao princípio do prazer.

"Descida no Maelstron", de Roberto Causo, é um bom conto de FC hard, escrito à maneira clássica, sobre um velho soldado que talvez não tenha lugar num mundo de paz ou num mundo onde a guerra toma outras direções.

"O Motim", de Edla van Steam, é um parábola sobre um mundo superpopuloso que não admite velhos. Quem reage a isso é justamente o outro extremo, as crianças. Uma boa fábula sociológica.

Deonísio da Silva nos traz "Depois da Grande Catástrofe". O título sugere um ambiente pós-apocalíptico. porém o que importa na narrativa é o drama pessoal vivido pelo reitor de uma universidade, num mundo onde todos são universitários e não há emprego para quase ninguém. Isso não é o que o atormenta, mas seu relacionamento amoroso com sua secretária. O reitor usa como conselheiro o computador da universidade. O que chama a atenção para o conto é o humor um tanto negro.

"Espécies Ameçadas", de Márcio Souza. Este se destaca por ser, na minha opinião, o pior conto da coletânea, apesar da qualidade de seu premiado autor. Expedição em busca de animal misterioso no Amazonas, depara-se com instalações de uma falsa ONG. Dá a impressão de ter sido feito às pressas, como para se livrar de uma atividade penosa. O que é pior numa narrativa de mistério (que é o que este conto pretende ser) é tê-lo explicado por um personagem ou pelo narrador sem que o leitor tenha tido a chance de ao menos acompanhar seu desenrolar. Todavia, há um mérito: o de colocar para o leitor a discussão da presença de ONGs estrangeiras em território brasileiro sem que se saiba o seu real propósito.

"História de uma Noite", de Charles Kiefer, conta uma história de amor em que se mistura realidade virtual com o mundo real. É contado em tom de confidência, como o relato de um blog, mas sob um censor automático implacável que corta descrições mais apimentadas, fazendo com que o leitor tenha vontade de esganar esse censor, se ele tivesse um pescoço.

"As Infalíveis H", de Paulo Sandrini. Um mundo povoado por humanos tem sua realidade subitamente perturbada quando uma nave aparentemente alienígena é derrubada pelo sistema de defesa do planeta. Um estudante descobre fuçando um dos arquivos encontrato um fato que o deixa aterrorizado. Um bom conto com um bom final.

"Resquiescat in Pace", de Hilton James Kutska, nos fala de robôs humanoides deixados pra trás na Terra, que esperam pela volta de seus antigos amos. Muito bem escrito, foge do lugar comum ao tratar da questão ecológica.

"Vladja", de Ivan Hesemberg, é um conto de amor e morte, muito bem escrito. Mas, se tirarmos alguns elementos, colocados apenas para aproximação como gênero, não seria um conto de ficção científica e a história não sofre com isso. Apesar de ter fugido à proposta, é um bom conto.

"A Máquina do Saudosismo", de Ataíde Tartari, nos conta a história de um homem que foi congelado no século 21, sem ter esperanças de ser descongelado, mas que acorda num mundo futuro ao qual não consegue se adaptar. Uma metáfora bem construída sobre a inadaptação de algumas pessoas às mudanças tecnológicas que as cercam.

"Ponto Crítico", de Carlos André Mores, é uma boa ficção científica hard. Um grupo de cientistas tenta fundir num experimento as experiências de controle mental da tradição hindu com a física quântica, com resultados inesperados.

Finalizando, temos "Onde Está o Agente?", de Rinaldo Fernades. Um homem encontra um delegado que pergunta por um agente. A partir dali, suas tentativas de voltar para casa ou de se encontrar com uma mulher atraente, que vê a poucos metros de si, fracassam irremediavelmente e o delegado cruza seu caminho a todo momento. Apesar do cenário futurista que o autor mistura com cenas de cidade grande do presente, o conto é o que pode ser chamado de "absurdista". Durante a leitura o que dizemos a nós mesmos o tempo todo é "mas isso não pode ser!"

De uma maneira geral, percebe-se uma tentativa dos autores tradicionalmente ligados ao mainstream tentarem se aproximar do gênero, alguns conseguindo plenamente, outros contornando-o. Com uma única exceção, os contos são de bons para ótimos. O tema que mais se repetiu foi o ecológico, colocado de maneira explícita por alguns (até de maneira catastrofista e panfletária) e indireta por outros. Isso é reflexo tanto do momento em que estamos vivendo, como por este discurso ter permeado a formação dos autores na faixa de 40-50 anos, que viveram a Guerra Fria (daí a fixação pela catástrofe) e conviveram com as mensagens do Greenpeace e grupos similares. 

Nerdshop:
Futuro Presente, Nelson de Oliveira (org.) (Record)

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